Uma ordem de serviço emitida na última terça-feira (7), à qual a TV Globo teve acesso, revela a crise no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), em Santo Amaro, área central do Recife. O documento, assinado pelo gestor executivo, Bento José Bezerra Neto, e encaminhado aos funcionários, determina, entre outras coisas, o fechamento temporário da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para novos pacientes, a suspensão de cirurgias de médio e alto risco e o internamento de pacientes com infecção grave. Além disso, faltam 21 medicamentos para quimioterapia.
O texto argumenta que as medidas consideram “a atual e grave crise orçamentária/financeira que o hospital atravessa” e visam “assegurar a funcionabilidade” da unidade de saúde. A ordem de serviço número 31/2015 suspende “temporariamente a admissão em UTI de pacientes externos, comunicando ao Sistema de Regulação do Estado de Pernambuco”. Recomenda ainda que as cirurgias de baixo risco sejam priorizadas, em detrimento dos procedimentos de médio e alto risco. O documento também orienta a “evitar o internamento de pacientes com infecção grave conhecida e que demandem antibióticos de última geração”. E arremata que a situação deve ser mantida assim “até que a normalização do abastecimento de drogas e insumos hospitalares permitam a retomada das atividades médicas com segurança terapêutica e sanitária”.
Em entrevista, o gestor executivo Bento Bezerra afirmou que a UTI está funcionando. “Mas a quantidae de leitos que nós temos só atende a nossa demanda interna. O documento afirma que está apenas bloqueada, e isso foi comunicado à Secretria de Saúde, para a admissão de pacientes de outros hospitais. Essa determinação é temporária, enquanto a gente se adequa, enquanto chegam os recursos de medicamentos, para que a gente possa atender os pacientes de maior gravidade. A gente espera agora uma absorção desses pacientes pela rede própria do SUS ou conveniada, até que a gente possa recompor os estoques”.
O Hospital Oswaldo Cruz é ligado à Universidade de Pernambuco (UPE) e, só na área de oncologia, oferece quatro programas de residência médica. Está vinculado à Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia.
Nota encaminhada pela assessoria de imprensa da UPE informa que o reitor Pedro Falcão “exonerou, na tarde desta quinta-feira (09/07/2015), três profissionais que exerciam funções administrativas e financeiras no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc). E, em reunião, com a Superintendência do Complexo Hospitalar e o pró-reitor Administrativo da UPE, compôs equipe para uma atuação efetiva para levantamento das informações e solução dos problemas. A decisão sinaliza a tentativa da instituição em resolver a crise estabelecida na unidade hospitalar”.
Quimioterapia
A crise vai além. Mais de 500 pacientes com câncer estão com o tratamento de quimioterapia suspenso há meses por falta de medicamentos. Documento afixado dentro da sala de químio, no Centro de Oncologia (Ceon), ao qual a reportagem da TV Globo teve acesso, revela uma lista de 21 remédios com “estoque zerado”. Na mesma unidade, o setor de radioterapia ainda aguarda inauguração, com aparelhos encaixotados desde 2007. Ou seja, das três etapas de tratamento de câncer, uma não funciona e outra está com atendimento reduzido a quase zero.
Na frente da unidade de saúde, pacientes indignados se preparavam para voltar para casa, mais uma vez, sem a medicação de que necessitam para continuar o tratamento. “Não posso ficar sem. Dependo disso para viver. Meu câncer é bastante agressivo”, reclama a secretária Camila Tenório. Na folha de papel ofício colada dentro da sala de quimioterapia, ainda constam seis remédios com “estoque crítico”. No setor, muitas cadeiras vazias, uma imagem que resume o descaso. Entre os medicamentos em falta estão taxol, taxotere e zometa, para tratamento de câncer de mama, além de ondansetrona e dramin, usados para reduzir o enjoo.
Diante da denúncia, a reportagem da TV Globo também telefonou para o Hospital Oswaldo Cruz para perguntar sobre os remédios. Ouviu de funcionários a confirmação de que eles estão em falta e sem previsão de chegada.
“[Isso acontece] Basicamente por falta de receita do hospital. O hospital depende de recursos federais. E esses recursos foram insuficientes para este ano. Anualmente a gente tem sido socorrido, seja pela universidade seja pelo Governo do Estado, com aporte de verbas para a recomposição dos nossos estoques. Então tudo isso está licitado, tem inclusive empenhos prontos para serem assinado, mas faltam recursos financeiros”, pondera Bezerra.
De acordo com ele, o hospital já disponibilizou para a compra de remédios verbas para outras rubricas “Ontem nós assinamos empenho no valor de R$ 167 mil, o que significa o aporte de 50% dos medicamentos que estão faltando na área de oncologia”, diz. Ainda segundo Bezerra, os medicamentes devem chegar no prazo de dez dias, contado a partir do momento em que há a entrega da ordem de serviço ao fornecedor. “Isso começou a ser entregue ontem”, garantiu.
Entre os pacientes, a revolta é sentimento unânime. O atraso, para quem luta contra o tempo, é classificado como inaceitável. Em alguns casos, o estoque não é reposto desde março. Acompanhantes de doentes denunciam que é comum faltar materiais simples, como luvas e seringas. Os próprios médicos e funcionários ameaçam cruzar os braços se a situação não for resolvida.
A funcionária pública Silvana Soares de Souza batalha há dois anos contra um câncer de mama. E clama por uma solução urgente para não minguar a esperança da cura. “Eu ligo diariamente, sempre venho e a resposta é a mesma: não tem previsão. É um sentimento muito doloroso. Fico triste”, lamenta.
Os problemas do Centro de Oncologia vão além. A radioterapia aguarda inauguração há quase uma década. Três equipamentos foram adquiridos em 2007, mas ainda estão dentro das caixas. Existe o risco, pelo tempo sem uso, de eles sequer funcionarem. Operários estavam em uma das salas, mas não deram prazo para o término das obras. A última denúncia da TV Globo foi em outubro do ano passado e, na ocasião, a previsão era iniciar o atendimento em maio deste ano. Uma promessa não cumprida.
“Esses equipamentos fazem parte do projeto da radioterapia, que não existia na rede pública em Pernambuco. Está sendo executado. Eu encontrei o projeto parado há mais de dois anos, e nós conseguimos reativar o projeto. Está sendo concluída a obra física e deverá estar em funcionamento no próximo ano”, calculou o gestor executivo do Huoc, Bento Bezerra.
Mais problemas
O Huoc também sofre com infraestrutura precária e superlotação. No setor de marcação de consultas, um emaranhado de gente reclama que precisa dormir no hospital para garantir vaga. Nas paredes do prédio, é possível ver as infiltrações e o lodo deixados pela chuva. Assim como poças de lama numa unidade de saúde que alaga a cada temporal. O esgoto continua a céu aberto, exalando mau cheiro. No ambulatório, as pessoas esperam no calor porque dois ventiladores estão sem funcionar.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que “tem repassado de forma contínua e crescente recursos para o Huoc. Em 2014 foram destinados para a unidade R$ 45,5 milhões, o que representa R$ 1,1 milhão a mais do que o registrado em 2013, quando foram repassados R$ 44,4 milhões. O recurso pode ser utilizado para o pagamento de procedimentos hospitalares, compra de medicamentos e equipamentos, entre outras ações. Somente em 2015, até o início deste mês, o hospital já recebeu R$ 21,7 milhões. Sendo que, deste total, R$ 1,3 milhão são repasses de incentivo por meio do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF).”
O ministério ressaltou “que o financiamento dos hospitais universitários não tem uma única fonte. Os repasses são feitos pelos ministérios da Saúde e da Educação, sendo complementado por verbas estaduais e municipais”.
Fonte: G1 Pernambuco